14.5.10

New Media Art #02

Desde meados dos anos 1940, artistas ligados à engenharia já trabalhavam com a cinética das luzes artificiais. Já nos anos 1950, as experiências musicais executadas a partir de manipulações dos aparelhos de rádio, suscitaram interesse e uma nova estética musical - a música concreta, de Pierre Schaeffer, influenciou e promoveu as grandes inovações estéticas de compositores como John Cage, Boulez e Stockhausen. Ainda no final dos anos 1950 e no começo da década de 1960, Nam June Paik apropriou-se dos aparelhos televisivos para produzir objectos de vídeo arte.

Os artistas preocupavam-se com as propriedades estéticas geradas pelas linguagens dos novos meios. É possível que não imaginassem o modo pelo qual a tecnologia entraria imperativamente em todas as relações da vida quotidiana, mas estavam ligados sobretudo às questões relacionadas com a cor e a luz e principalmente com o movimento. Na década de 1970 estabelece-se uma ruptura da concepção da arte enquanto realização objectual. Nasce assim a arte conceptual que privilegia a ideia em detrimento do objecto, culminando na sua desmaterialização.Os anos 1980 “marcam a consciência dos artistas para as intervenções das novas tecnologias na vida quotidiana” (Liesen, 2005: 8), constituindo uma ruptura com as pesquisas anteriores a respeito da interacção entre arte e tecnologia. Nesse mesmo período, os artistas começaram a experimentar vários suportes para representação artística como o laser, a holografia ou a electrografia. Apesar destes novos suportes, foi o vídeo que surgiu como a principal forma de representação, “situando a pesquisa artística nas questões do tempo e de espaço modificados pelas novas tecnologias” (Liesen, 2005: 8). Muitas vezes associado ao computador, o vídeo tem a capacidade de sintetizar imagens sem a utilização de câmaras. Esse facto faz com que o vídeo também lide com problemas de imaterialidade, simulação e realidade. A partir dos anos 1990, o computador mudou de instrumento de trabalho para ferramenta usada para a produção de conteúdos. No fim da década, com a popularização da internet, o computador tornou-se uma máquina de mediação universal que podia ser usada para criar, armazenar, distribuir e aceder a todos os media. A internet está no centro do projectos de new media art.

O ano de 1994 foi um ano repleto de histórias de tecnologias e meios de comunicação. A Netscape Corporation introduziu um dos primeiros navegadorrs comercial de internet, assinalando a transformação de uma rede primeiramente usada por investigadores académicos e informáticos, transformando-a num meio popular de comunicação pessoal, de publicação e comércio. Para os artistas, a internet mostra-se como um espaço social. A partir de 1996 deu-se um crescimento da internet comercial. Paralelamente, foram realizados trabalhos de “internet art” em exposições de arte contemporânea, promovendo assim uma problemática, ainda hoje muito discutida, sobre a exposição num espaço imaterial, o cibercultura.Foi no final do século XX que o público começou a pensar a internet como rede.

A World Wide Web é somente um dos muitos protocolos on-line, é um subsistema de internet. Muitos artistas criaram novos browsers alternativos, enquanto alguns exploraram a internet como um meio bi-direcional, outros integraram interactividade em contextos híbridos que incorporam o espaço físico. Sendo assim, a internet pode ser pensada como um espaço público, em que a arte ali produzida pode ser considerada “arte pública”.

“A internet configura uma situação cultural absolutamente nova” (Kac, 2005), permitindo ajudar os artistas a definirem um processo social com reflexão no seu impacto e potencial. As alternativas culturais e comunicacionais na internet são evidências de que essa rede global é um novo tipo de espaço público. Sem internet, os trabalhos imateriais seriam apresentados num CD-Rom, com circulação limitada, ou num contexto de exposição, com imagens impressas ou projectadas e instalações interactivas.Uma nova geração de artistas cria trabalhos imateriais, na e para a web, estimulando inovações radicais e propondo a crítica dos media, atribuindo especial atenção à palavra colectivo. A internet oferece um modelo de descentralização do conhecimento e das estruturas de poder. A ecrã do computador é muito mais do que uma saída de dados, é um veículo de interacção, uma ponte para outros mundos serem descobertos e inventados, surgindo novos conceitos como o conceito de cibercultura.

«Hoje, cada vez mais, os artistas lançam mão do computador para construir suas imagens, suas músicas, seus textos, seus ambientes (...) De repente, nos damos conta de uma multiplicação vertiginosa ao nosso redor de trabalhos realizados com pesada mediação tecnológica. Mais do que nunca, chegou a hora de traçar uma diferença nítida entre o que é, de um lado, a mera produção industrial de desenhos agradáveis para as mídias de massa e, de outro, a busca de uma ética e uma estética para a era eletrônica.» (Machado, 2004: 2)

Priscila Arantes no livro Arte e Mídia, perspectivas da estética digital, pretendendo fazer uma pequena “arqueologia” da palavra “mídia”, salienta o pensamento de Lucia Santaella no livro Cultura e artes do pós-humano: «assinala a expansão que o termo vãi ganhando na contemporaniedade devido ao desenvolvimento acelerado da informática e da sua inter-relação com os meios de comunicação. Longe de se referir exclusivamente aos meios de comunicação de massa, o termo mídia diz respeito, também, a todos os processos de comunicação mediados por computador (CMC). É sobre essa perspectiva que a autora, em vez de usar a expressão “novas mídias”, utiliza “mídias digitais” (…) para designar essa nova fase da cultura contemporânea estritamente influenciadas pela revolução da informática e pelas tecnologias numéricas.» (Arantes. 2005: 23) 

Ao empregar a expressão “arte em mídias digitais” Arantes “sugere uma produção artística que actua não somente na interface com a informática mas também na confluência com os meios de comunicação mediados por computador”. Nas décadas de 1950 e 1960 a expressão mais usada era “arte cibernética”, nos anos 1970 e 1980 “arte informática”, nos anos 80 passou a chamar-se “arte e tecnologia”, “arte numérica” ou “arte electrónica”. Actualmente, os termos mais utilizados são tão variados como ciberarte, arte digital, net arte, web arte ou arte nos novos media. Embora não exista ainda um consenso terminológico para designar estas novas formas de expressão, a autora optou por utilizar a expressão “arte em mídias digitais” para designar as artes nos media, isto é, que utilizam os media digitais para desenvolver peças criativas.

«A expressão “arte em mídias digitais” abrange, desse modo, as formas de expressão artísticas que se apropriam de recursos tecnológicos desenvolvidos pelas industrias eletrónico-informáticas e que disponibilizam interfaces áudio-tátil-moto-visuais propicias para o desenvolvimento de trabalhos artísticos, seja no campo das artes baseadas em rede (on-line e wireless), seja na aplicação de recursos de hardware e software para a geração de propostas esteticas off-line.» (Arantes. 2005: 24)Arlindo Machado usa o termo “artemídia” e segundo este a “arte é feita com os meios do seu tempo, a artemídia representa a expressão mais avançada da criação artística actual” (Machado, 2002: 1).

Desde as décadas de 1950 e 1960 já estavam disponíveis recursos informáticos que permitiam a manipulação e exibição de imagens. «Por meio de algoritmos executáveis pelo computador, as primeiras obras de computer art eram, na sua maioria, não figurativas. Michal Noll, Georg Nees, Vera Molnar, Manfred Mohr e no Brasil, Waldemar Cordeiro foram alguns pioneiros artistas a trabalhar com sistemas computacionais.» (Arantes. 2005: 26)

Entre as décadas de 1980 e 1990, quando o computador pessoal se tornou mais acessível e surgiu a internet, cada vez mais experimentações artísticas começaram a recorrer à informática. «Ciber instalações, cibercenários, ambientes imersivos, sistemas multiusuários, telepresença, telepreformances, instalações e performances digitais, net-arte, robótica, vida artificial, arte transgénica, propostas estéticas que utilizam comunicações sem fios, trabalhos on-line e off-line são algumas das formas pelas quais os artistas contemporâneos vêm trabalhando com as mídias digitais.» (Arantes. 2005: 26)

Para este novo tipo de arte, criada em computador e que usa algoritmos para o seu “nascimento”, dá-se o nome de arte generativa. A arte generativa refere-se à arte que foi gerada, composta ou construída através de formas algorítmicas e da utilização de sistemas definidos por computador (software de algorítmos, fórmulas matemáticas, etc.) que criam processos autónomos aleatórios. O termo arte generativa não descreve um movimento de arte ou uma ideologia. É apenas um método de fazer arte. Refere-se à forma como a arte é criada, não tendo em conta as razões e os conteúdos da obra.

Um artista ou criador estabelece algumas regras básicas, fórmulas e/ou modelos que possam definir um processo aleatório ou semi-aleatório para trabalhar elementos. Os resultados continuarão dentro dos limites estabelecidos, mas também podem estar sujeitos a modificações e poderão ser mesmo surpreendentes. Uma obra de arte generativa geralmente nunca se repete da mesma forma.As principais características da arte generativa são: a utilização de sistemas computacionais como um método de produção; auto-suficiência ao funcionar com algum grau de autonomia; diversos graus de complexidade, sendo de difícil a previsão de comportamento; resultados com infinitas variações pertencentes à mesma ideia. Destaca-se o processo de criação como uma característica essencial e não apenas o resultado final da criação.

A arte generativa pode também surgir em tempo real, através de feedback e interacção com um ou mais participantes. Poderá surgir em diferentes tipos de ambientes de programação gráfica, como por exemplo Max/Msp, Pure Data ou vvvv, são usados em tempo real no audiovisual generativo, em expressões artísticas como Demoscene e VJ’ing. Demoscene é uma sub-cultura da arte informática especializada na produção de demos, apresentações aúdio-visuais não-interactivas, executadas em tempo real num computador. O principal objectivo de um demo é demonstrar tecnicamente as habilidades de programação, artes gráficas e música entre os diversos demogroups.A inteligência artificial e o comportamento automatizado introduziram novas formas de ver a arte generativa. Ken Rinaldo é um artista americano que criou instalações de arte interactiva que exploram a intersecção entre a natureza e a tecnologia. As suas instalações de arte robótica e bio-arte procuram misturar elementos mecânicos e orgânicos. Autopoiesis (2000) e Augmented Fish Reality (2004) são duas das suas obras mais conhecidas. Autopoiesis é uma instalação que explora a ideia de consciência de grupo, inclui quinze esculturas robóticas que interagem com o público e modificam os seus comportamentos com base na presença dos participantes.

Os exemplos de arte generativa surgem das mais variadas áreas, não sendo exclusivos das artes visuais. Na música destacam-se compositores como John Cage, que usou os princípios de arte generativa nas suas obras. Explora diversos softwares onde a música cria imagens e sons de correspondência exacta entre a cor/símbolo, em relação ao som, produzindo múltiplas variações. Sergio Maltagliati, compositor e artista visual-digital que, desde 1997, trabalha principalmente a música na internet tem como uma das suas primeiras composições o netOper @. Em 1999 desenvolveu autom @ tedVisualMusiC, um software inspirado a partir de experiências de Pietro Grossi, compositor italiano, pioneiro na música digital, artista visual e hacker. Foi o primeiro artista em Itália a experimentar técnicas electrónicas no início dos anos 1970. Brian Eno colaborou no desenvolvimento de Koan da SSEYO. Koan é um software de música generativa, utilizado na criação do álbum Generative Music 1. SSEYO, foi fundada por Pete Cole e Cole Tim, especificamente para criar e comercializar o Koan.

Nos videojogos, destacam-se exemplos como SYNTH, um jogo de acção estratégica para o computador, desenvolvido por Paul Rhys Hovey, onde 100% dos seus gráficos surgem de arte generativa; AARON, desenvolvido por Harold Cohen; e Conway’s Game of Life, desenvolvido pelo matemático John Horton Conway em 1970.Nas artes visuais foram desenvolvidas várias técnicas e softwares como: Cut-up, uma técnica anterior às novas tecnologias, utilizada por Tristan Tzara e William Burroughs; Fractal Flames é um software que desenvolveu o projecto Electric Sheep e Apophysis, desenvolvido por Scott Draves; Protoquadro, uma técnica de pintura concebida para ser utilizada em suportes digitais, são objectos artísticos que estão num espaço do mesmo modo que uma pintura tradicional está na parede. O projecto foi concebido por Federico Bonelli e Martinucci Maurizio em 2003. Para este projecto foi realizada uma pesquisa específica sobre algoritmos não convencionais para criar as pinturas de acordo com os princípios generativos. Todas estas ideias são baseadas no conceito de transformação através da sincronicidade. A pintura evolui no tempo e é baseada em material fotográfico, numa ideia de composição e numa regra de evolução.Concluindo, a arte nos media digitais, arte tecnológica, net arte e arte digital, herdou dos dadaístas a utilização do acaso; de grupos como o Fluxus, a ideia de fusão entre arte e vida, o conceptualismo, a performance, a abertura à participação da audiência e a desmaterialização do objecto artístico. Assumindo-se como uma forma de expressão alternativa, potencializando novas participações tecnológicas assim como novas possibilidades visuais, unindo o homem, como ser criador, aos algorítmos e às formulas matemáticas.